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quarta-feira, 9 de abril de 2014

A situação está afro-descendente


            Não há coisa nesse mundo pra me deixar mais atravessado do que a tal da hipocrisia. Não estou aqui falando da hipocrisia como aquela do bolero “hipócrita/eu sei que és hipócrita”, que de vez em quando todo mundo usa para se defender ou para não ofender outrem, ou um outro alguém, já que falamos em bolero. O que me deixa invocado é a hipocrisia do politicamente correto, que é moda americana e, como toda moda americana, já pegou por aqui. De tal monta que, no que você bobeia, já está sendo politicamente incorreto e o mínimo que lhe pode acontecer é neguinho lançar-lhe um olhar de arrasa quarteirão, as mulheres pedirem os sais e mandarem tirar as crianças da sala e você nunca mais ser convidado para um sarau.
Tô exagerando? Tô não. É um sofrimento. Nem ditado popular se pode mais usar. Veja só. Suas palavras não caem mais em ouvidos moucos, caem em pavilhões auriculares deficientes auditivos. Experimente o pior cego é aquele que não quer ver. É suicídio social na certa, pior do que fumar na igreja. O politicamente correto exige que você diga: o pior deficiente visual é aquele que, por conveniência pessoal ou social, se nega a contemplar.
            Tem mais, tem muito mais. Antigamente se dizia que uma coisa era mais difícil de ver do que enterro de anão. Hoje a tal coisa é mais difícil de ver do que féretro de cidadão verticalmente prejudicado. Como se chamar anão de anão fosse ofensa grave. Tenho pra mim que não dói no suplicante ser chamado de anão, cego ou mouco.  O que dói mesmo é ser uma coisa dessas. Veja se não é.
Mas Deus é grande e tinhamos um presidente que diz o que pensa e sabe que se chegar em Garanhuns com essa linguagem atravessada o povo corre com ele de lá. Um dia, já faz tempo, o homem foi lá num nosocômio para internamento de - doentes mentais? deficientes mentais? cerebralmente prejudicados? - sei lá como se chama, doido hoje em dia, e largou a chamar todo mundo de louco. Era louco isso, louco aquilo. E o povo em volta nem coisa, achando até muito originalíssimo, que esse Presidente era inimputável, podia tudo, porque, sabe como é não é? foi um operário que subiu na vida e qualquer crítica é logo tratada como preconceito, inveja, oposição ao bolsa família, conluio com as elites brancas dos olhos azuis, essas coisas. Deus me livre.
           
O melhor de tudo é que o presidente já contaminou a equipe lá dele. Um dia eu vinha ouvindo a Voz do Brasil e os locutores Airton e Sula (ouço tanto a voz do Brasil que sei até o nome dos locutores) estavam entrevistando uma diretora lá do MEC sobre um censo especial que eles iam fazer para identificar os deficientes visuais das escolas e bolar umas ações que Deus queira sairiam do papel depois de umas trezentas reuniões. Pois era formularem a pergunta pra diretora responder que a pesquisa ia levantar quantos cegos existiam nas escolas e coisa e tal. Aí a pergunta voltava para saber mais da pesquisa sobre os deficientes visuais (e os aflitos locutores só faltavam gritar cada vez que diziam deficientes visuais para ver se a tal diretora se tocava) e ela danava a responder que a metodologia para o caso dos cegos e tal e coisa. E foi de cego até o fim. Quer dizer, tá mudando. Só não vê quem é deficiente visual.
           
Aí deu pra ver que pelo menos nesse negócio de politicamente correto esse presidente bom de gogó começou a dar um jeito. Porque no resto... cala-te boca, olha o bolsa família, olha os índices de aprovação do homem, olha o preconceito, olha os pobres contra os ricos e vice versa, olha o Paulo Henrique Amorim, fica quieto no teu canto e vai comer tua farinha pouca senão as patrulhas te pegam e é bem capaz de te obrigarem a ler as obras completas do Mercadante.
           

Mas uma coisa os céticos de agora vão concordar que está mudando pra melhor: a situação, que antes estava ficando afro-descendente, agora está ficando é preta mesmo.  Não vê as pesquisas!

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